Imagina que, enquanto adolescente, passaste por
muitas críticas, que sentiste vergonha e hostilidade por parte da tua família
ou que, na escola, sofreste de bullying
e foste rejeitado várias vezes pelos teus colegas e até amigos. Essas
experiências podem moldar o teu sistema de ameaça, deixando-te em alerta ao
considerar as outras pessoas como sendo ameaçadoras e não confiáveis. Talvez
fiques mais ansioso em relação ao potencial de dano social ou emocional que
poderão causar-te, evitando até o convívio com elas. Eventualmente, pode até
desenvolver a ideia de que se os outros te estão a rejeitar é porque deve haver
algo errado ou defeituoso contigo, levando a que te critique e culpes por seres
quem és: «Sou gordo de mais, sou magro de mais, sou feio, sou pouco inteligente
e por isso é que ninguém gosta de mim.» Ou podes ficar tão irritado e
enraivecido com isto que acabas por adotar um estilo agressivo de comunicação
como forma de te protegeres da potencial crítica ou rejeição dos outros: «Se eu
rejeitar primeiro, saio por cima e não me rejeitam a mim.»
Estas experiências dolorosas são chamados de experiências precoces tóxicas e estão
na base da formação dos esquemas cognitivos.
Infelizmente, estas experiências precoces tóxicas
acontecem sobretudo na infância e adolescência, com os nossos familiares e
amigos mais próximos, ainda que também possam acontecer em idade adulta, apesar
de com menos frequência. Pode dizer-se que são experiências traumáticas.
Sendo que é com a família que a criança aprende a
construir e estabelecer as suas primeiras relações, mais tarde ela irá lidar
com os outros com base no seu funcionamento familiar. Se este funcionamento não
foi saudável, é provável que tenhamos vivido algumas experiências precoces
tóxicas e que não tenhamos aprendido a lidar de forma eficaz com os outros e
com o meio. O facto de nunca termos aprendido a lidar de forma eficaz com as
nossas experiências faz com que o esquema ative uma resposta de ação
disfuncional, desadaptativa e descontextualizada (sistema de ameaça): COPING
DESADAPTATIVO. O coping é a forma
como tu enfrentas determinada situação. Pode ser adaptativo (adequado ao
contexto) ou desadaptativo (quando é desadequado ao contexto) tornando-se
cíclico. É sobre isso que nos vamos focar agora.
O seguinte vídeo ajuda a perceber o que significa Coping
para a psicologia:
https://www.youtube.com/watch?v=wTz3HSOTMqo
Para Young, Klosko e Weishaar (2003), as
experiências tóxicas precoces são sobretudo: (1) frustração tóxica de
necessidades fundamentais, (2) sobre proteção e/ou cuidados excessivos, (3) traumatização
e vitimização e (4) internalização seletiva de traços de personalidade como esquemas,
crenças, valores, atitudes e comportamentos.
1.
A frustração tóxica
de necessidades diz respeito ao
conjunto de experiências em que a criança é privada e frustrada das
necessidades emocionais fundamentais como a vinculação segura, a confiança, a
estabilidade e o afeto. Assim, a criança nunca aprendeu a sentir-se realmente
segura, confiante e amada pelos outros, sendo que agora, enquanto adulta, e
perante situações de abandono, rejeição e conflitos interpessoais, é bastante
provável que não tenha estratégias de ação suficientemente eficazes para
encontrar esse conforto, carinho e proteção, o que pode gerar grandes níveis de
ansiedade e sofrimento;
2.
Os cuidados
excessivos e a sobre proteção referem-se aos pais/cuidadores que dão demasiada à
criança sem imposição de limites ou regras (e.g., mimos e cuidados excessivos).
São crianças que acabam por não desenvolver um sentido de competência,
autonomia, independência, podendo tornar-se adultos medrosos, dependentes e
muito ansiosos ao saírem da sua zona de conforto. Podem, por outro lado,
tornar-se crianças e adultos muito mimados, pouco competentes, que não sabem
como agir em determinadas situações, pois foram habituados a que os outros
fizessem tudo por eles e que as coisas corressem sempre da forma como desejavam.
. Algo mais desafiante é visto de imediato como uma ameaça que pode ser
paralisante.
3.
Relativamente à traumatização e vitimização, falamos de
situações em que a criança foi magoada, criticada, enganada, ou vítima de
violência física e/ou psicológica (e.g. bullying).
Geralmente estas crianças nunca sentiram segurança ou confiança em relação aos
outros, desenvolvendo uma ideia de que os outros e o mundo são perigosos e não
confiáveis. Em adultos, podem apresentar traços paranoides, sendo por norma indivíduos altamente desconfiados, muito medrosos e até fóbicos, com uma autoestima baixa,
que não sabem lidar com situações sociais.
4.
Finalmente, a internalização seletiva de traços de
personalidade ou a identificação com outros significativos diz respeito à identificação
e internalização, por parte da criança, de alguns pensamentos, sentimentos e
comportamentos dos pais, sendo esta categoria explicada pela aprendizagem
social. Por exemplo, uma criança com um traço temperamental de agressividade
poderá ter internalizado as atitudes e os comportamentos agressivos do
pai/mãe/avós; do mesmo modo, uma criança com traço temperamental de
instabilidade emocional terá muito mais facilidade em internalizar os
comportamentos de uma mãe ansiosa.
Seromenho, S. (2022). Não é Loucura, é Ansiedade -
Primeiros Socorros para Combateres a Doença do Século. Lisboa: Contraponto.
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