“Como sabe, por si, que dormiu de noite? Faz esta autoavaliação muito mais frequentemente do que a do sono dos outros. Com sorte, todas as manhãs regressa ao mundo dos acordados sabendo que esteve a dormir até então.[1]Esta autoavalição de sono é tão sensível que pode ir até mais além e determinar se dormiu bem ou se dormiu mal. Esta é outra forma de mensurar o sono – uma avaliação fenomenológica na primeira pessoa que é distinta dos sinais que usa para determinar o sono nas outras pessoas.
Também aqui existem indicadores universais que
oferecem conclusões convincentes quanto ao sono – na verdade são dois. O
primeiro é a perda de consciência externa – paramos de ter a perceção do mundo
exterior. Já não temos consciência do que nos rodeia, pelo menos não
explicitamente. Na realidade, os ouvidos continuam a «ouvir»; os olhos, apesar
de estarem fechados, continuam a ter a capacidade de «ver». Este facto é
similarmente verdade para todos outros órgãos sensoriais como o nariz (olfato),
a língua (paladar) e a pele (toque).
Todos estes sinais continuam a inundar o centro do seu
cérebro, mas é aqui, nesta zona de convergência sensorial, que a viagem acaba
quando está a dormir. Estes estímulos são bloqueados por uma barricada
percetiva localizada numa estrutura cerebral chamada tálamo. O tálamo, um
pequeno e suave objeto de forma oval, mais pequeno do que um limão, é a entrada
sensorial do cérebro. O tálamo decide que sinais sensoriais podem passar pela
entrada e os que ficam à porta. Caso venham a conseguir a privilegiada
passagem, são enviados para o córtex, no cimo do cérebro, onde são
conscientemente percecionados. Ao fechar a entrada no início do sono saudável,
o tálamo impõe um bloqueio sensorial ao cérebro, evitando que os sinais
continuem a viajar até ao córtex. Como resultado, já não está consciente da
transmissão sensorial efectuada pelos seus órgãos sensoriais exteriores. Neste
momento, o seu cérebro perdeu contacto com o mundo exterior que o rodeia. Dito
de outra forma: está a dormir.
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O segundo indicador da sua autoavaliação do sono é uma sensação de distorção de tempo que é experimentada de duas formas contraditórias. A um nível mais óbvio, perde o sentido consciente do tempo em que está a dormir, o que corresponde a um vazio cronométrico. Pense na última vez que adormeceu a bordo de um avião. Quando acordou, o mais provável é que tenha olhado para o relógio para ver quanto tempo esteve a dormir. Porquê? Porque a sua capacidade explicita de manter a contagem do tempo foi ostensivamente interrompida enquanto esteve a dormir.
Mas enquanto o registo consciente do tempo se perde
quando está a dormir, a um nível não consciente, o tempo continua a ser
catalogado no cérebro com uma precisão incrível. Tenho a certeza de que já
passou pela experiência de acordar a uma hora específica no dia seguinte.
Talvez tivesse de apanhar um voo cedo. Antes de ir para a cama, colocou diligentemente o despertador para as seis da manhã. Mas, como por milagre,
acorda às 5:58, sem despertador, dois
minutos antes de o alarmar tocar. Segundo parece, o seu cérebro continua
a ser capaz de manter um registo de tempo extraordinário enquanto está a
dormir. À semelhança de muitas operações que ocorrem no cérebro, não tem
simplesmente acesso a este conhecimento de precisão temporal enquanto está a
dormir. Tudo passa sob o radar da consciência, vindo à superfície apenas quando
é necessário.
Existe uma última distorção temporal que merece ser
mencionada – a dilatação de tempo nos sonhos, para lá do próprio sono. O tempo
não é exatamente o tempo enquanto estamos a sonhar. Na maior parte das ocasiões
é prolongado. Pense na última vez que carregou no botão «adiar» no seu
despertador, depois de acordar de um sonho. E volta imediatamente a sonhar.
Depois dos cinco minutos, o despertador volta a tocar como lhe compete; no
entanto, a sensação que tem é de que não passaram os cinco minutos. Durante
estes cinco minutos de tempo verdadeiro pode ter sentido que esteve a sonhar
durante uma hora, talvez mais. Ao contrário da fase do sono em que não está a sonhar
e, portanto perde toda a noção de tempo, nos sonhos continua a sentir a sua
passagem. Ela só não é particularmente precisa – na maior parte das ocasiões, o
tempo dos sonhos estende-se ou prolonga-se para lá da passagem de tempo real.
Embora não se entendam plenamente as razões para esta
dilatação do tempo, o registo de experiências recentes de células cerebrais de
ratinhas oferecem-nos pistas atraentes. Nesta experiência, permitiu-se aos
ratinhos percorrer um labirinto. À medida que eles aprendiam a disposição
espacial do labirinto, os investigadores registaram a assinatura dos seus
padrões cerebrais. Os cientistas não pararam de registar os padrões de células
impressas com as memórias quando os ratinhos adormeceram. Continuaram a escutar
os seus cérebros durante as diferentes fases do sono, incluindo a fase REM
(movimento rápido do olho), a fase em que a maior parte dos humanos sonham.
O primeiro resultado impressionante foi que a
assinatura dos padrões cerebrais que ocorreu enquanto os ratinhos aprendiam a
orientar-se no labirinto reapareceu repetidamente durante o sono. Ou seja, as
memórias estavam a ser «reproduzidas» ao nível da atividade cerebral enquanto
os ratinhos dormiam. O segundo resultado ainda mais espantoso, foi a velocidade
da reprodução. Durante o sono REM, as memórias estavam ser reproduzidas
bastante mais devagar: a apenas um quarto de velocidade medida quando os
ratinhos estavam acordados e no labirinto. Esta revisão neural lenta dos
eventos do dia é a melhor prova de que dispomos até à data para explicar as
nossas próprias experiências de dilatação de tempo no sono REM humano. Esta
dramática desacelaração do tempo neural pode ser o motivo pelo qual acreditamos
que a nossa vida nos sonhos dura mais do que os nossos despertadores indicam.
Fonte: Walker, Matthew; Porque dormimos?; Men’s Journal, fevereiro 2019,
978-989-8892-25-6 Pág 50 a 52
[1] Algumas
pessoas que sofrem de um tipo específico de insónia não conseguem avaliar com
precisão se dormiram de noite ou não. Como consequência esta «perceção
imperfeita do sono», substimam a quantidade de sono efetivo que conseguiram
obter.